domingo, 19 de junho de 2022

Desamores líquidos

Eu entendo a liquidez dos relacionamentos atuais, eu entendo essa coisa de amor líquido, o ficar, as relações casuais, o descomprometimento. Entendo porque hoje as pessoas vivem sem escolher, as escolhas são difíceis e escolher algo é abrir mão de inúmeras possibilidades, se comprometer com alguém é abrir mão de inúmeras outras pessoas que poderiam estar com você, tomar uma decisão é não tomar nenhuma outra e nessa era de fluidez decidimos ser muitas coisas porque se escolhermos ser apenas um vamos deixar uma série de possibilidades para trás.


Com essa liquidez onde temos tudo, somos tudo, fazemos tudo e tudo está ao nosso alcance, realmente temos inúmeras possibilidades, mas nunca estaremos inteiros em nenhuma delas. Temos tudo em parte, somos tudo e perdemos a identidade, fazemos tudo pela metade e nenhuma dessas possibilidade é exercida com completude. Temos medo de nós machucar, temos medo de não termos vivido o suficiente, temos medo de não termos feito tudo que podíamos, temos medo de ter medo, medo de não ser correspondido, de não sermos aceitos pela sociedade, então abrimos mão da nossa solidez e nos diluímos. Morremos sem saber quem de fato seríamos se tivéssemos a coragem de assumir nossa condição mortal, de seres humanos com emoções, sentimentos e que em algum momento nos machucaremos.


Eu não faço parte desta geração, já me machuquei muito, já quis ser e fazer muitas coisas, mas aprendi que renunciar inúmeras escolhas é ter o prazer de fazer apenas uma delas e ser quem eu sou sem precisar ser tudo que todos querem. Nossa identidade nos torna únicos, tanto quanto nossa digital. Eu entendo quem vive relações aparentemente livres, porque a liberdade dá a sensação de imunidade, mas não somos imunes. Em algum momento vamos querer a reciprocidade, o afeto, a exclusividade, algo que só pertença a nós e a mais ninguém. E com medo de que feridas emocionais se abram, nos fechamos ao (co)modismo que não percebemos ser padrão da realidade atual. Seres frágeis e machucados em busca de anestesia para as feridas abertas na geração de nossos pais.


Vivemos uma era de desamores líquidos, sentimos tudo, menos amor e quando é amor fingimos não sentir.


Pedro Garrido


-------


"O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece."


Charles Bukowski

Nenhum comentário:

Postar um comentário