sexta-feira, 29 de julho de 2022

Dia de vento

Quando éramos crianças não reprimiamos os sentimentos. A dor vinha e choravamos, não gostávamos de alguma atitude do colega e brigávamos, gritávamos ao menor dos motivos. Com o tempo e a educação dada por nossos pais evoluímos e aprendemos a lidar com os sentimentos, entendemos que nem todo choro poderia ser chorado, nem todo grito deveria ser gritado, brigar com alguém era desnecessário, que o diálogo era essencial, 


Mas nem sempre aprendemos da forma certa ou a forma mais adequada. Às vezes o grito acaba ficando preso na garganta, engolimos sapos com medo de brigar, chorar se torna sinônimo de debilidade. Parece que temos que demonstrar o tempo todo que estamos bem, não importa o quanto nosso espaço é invadido, o quanto as palavras nos agridem sem que se perceba, o quanto nosso passado nos condicionou e o quanto o futuro nos assusta.


Às vezes a vontade é de ficar só no meu canto, quieto, ressignificando os sentimentos até me sentir pronto novamente a lidar com o mundo, mas o tempo não para, o trabalho exige que estejamos prontos para assumirmos nossa posição na máquina industrial que move a economia, as pessoas querem respostas rápidas ao que nós mesmos não sabemos traduzir, a cobrança surge de dentro como se estivéssemos prestes a sermos atropelados se pararmos no caminho.


Engolir as dores, ceder espaços, fingir sorrisos ao choro iminente, ter de falar quando o silêncio grita, tudo para cumprir metas de vida, tudo isso acompanhado de cumprimento de regras sociais, às vezes não dá. A gente até tenta não culpar o outro por algo que ele disse e relevar, a gente tenta entender as necessidades dos outros ao custo das nossas, a gente tenta parecer empático com a dor do outro, simpático com o alheio e assim se vai uma vida fingindo o que não se pode ser, porque ao menor sinal de espinhos podemos ser considerados egoístas.


Podemos até dizer que isso não acontece conosco, mas isso é mentira! Ninguém está imune, todo mundo mente e esconde os sentimentos porque nesse mundo cão alguém pode passar por cima de você se demonstrar fraqueza.


Confesso que queria ser como aquela criança, que às vezes esperneava no mercado pedindo algo que nunca ia ter, que mesmo sabendo que não adiantaria de nada ela lutou com as forças que tinha, da maneira que sabia, para ter o que queria. Hoje parece que deixamos de querer e simplesmente aceitamos que na volta a "gente não vai comprar".


Hoje foi um dia de vento e eu não soube lidar com as folhas que voaram, talvez seja saudade de quando éramos crianças e sentíamos o vento sem medo de sermos levados pelo fluxo corrente de tantos sentimentos.


Pedro Garrido

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