sábado, 14 de agosto de 2021

O pior de cada um

O pior de cada um




Todo mundo tem dificuldades em alguma área, seja no ter, ser,  ver, todo mundo tem algo a se rever. O problema é que nosso pior está sempre escondido, poucos tem acesso aos nossos demônios, por isso idolatramos muita gente como se fosse perfeita, uma espécie de deus do controle emocional. 

O nosso pior está acessível a poucos. Por isso nos assustamos quando conhecemos o lado humano de alguém, porque achamos que não é o lado humano, mas é. Revelamos muito pouco uns aos outros, e quando permitimos algo a mais, revelamos somente o melhor do nosso pior, a ponta do iceberg existencial. Por isso nos adaptamos tão bem ao uso de máscaras sociais, convenientes ao momento em que estamos no convívio em sociedade.

Todo mundo tem seus medos, suas ansiedades, exageros, sua maneira de se esconder do mundo quando acha necessário. Todo mundo chora, grita, bate o pé no chão, joga objetos na parede, xinga o vizinho, chuta o balde. Todo mundo perde o controle em algum momento da vida, o problema é que não estamos preparados para ver isso acontecer ao nosso lado. Quando vemos apontamos julgando ou ridicularizando para nos esquivarmos das nossas próprias fraquezas, assim saímos do centro das atenções, não somos nós o alvo e isso nos tranquiliza. Imagina ser pego em flagrante tendo todos os medos e demônios expostos ao público!? Seria o fim, não é mesmo? Não, não é o fim. É só você sendo você igual qualquer um o é e não costuma admitir ao grande público.

A verdade é que todos sofrem, muitos escondem, poucos fazem algo para mudar, mas a maioria não está preparada para ser empática o suficiente para se ver no outro com medo de que o outro o descubra como sendo igual. Queremos sempre ser superiores, nunca inferiores, nunca nossas fraquezas podem ser reveladas. Em um mundo onde tudo é exposto o tempo todo, fica muito difícil esconder tudo, mas e daí? 

Aceite o pior que você tem como seu e entenda que todo mundo tem seus fantasmas, mas não seja um apontador de fantasmas alheios. Você tem, eu tenho, nós temos. Tudo muda ou passa a mudar quando compreendemos que temos nossas falhas e buscamos formas de mudar, seja falando sobre, seja enfrentando, seja mudando as atitudes que antes eram prejudiciais ao nosso convívio.

Pedro Garrido

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

O tamboril e a dependência emocional

Nos mares profundos onde a vida é escassa, existe um peixe peculiar, o tamboril. Para copular, ao encontrar a fêmea, ele morde a barriga dela, e o preço dessa escassez é se fundir a ela ao mordê-la. Ele morde e se prende, e após o ato, ele é parte dela, seus vasos sanguíneos se ligam aos dela e eles passam a ser um só durante a vida inteira.


Mas existe um preço a ser pago por essa união tão selvagem, ele deixa de respirar por ele mesmo, ele deixa de ser ele mesmo e agora o seu sangue é o sangue dela, o que o mantém vivo é a fêmea, e ele está ali com apenas um objetivo, cumprir o papel de conceder o esperma para a reprodução quando a natureza julgar necessário acontecer. Ele deixa de ser importante para si e se torna importante apenas para o papel do outro, abandona tudo por apenas um propósito de vida, pertencer a alguém e proporcionar assim a manutenção da sua espécie.


Há algo de positivo em ser o escolhido, pois naquela região do mar há pouca vida, então uma oportunidade como essa precisa ser aproveitada se você for um tamboril e não quiser passar o resto da sua vida vagando pela escuridão e não ter sua espécie extinta por ficar escolhendo demais. 


Conosco não nos parece diferente, muitas pessoas agem como o tamboril, se agarram de tal forma ao parceiro, que é como se abandonasse a própria identidade para viver a vida do outro. Mudam de time, deixam de lado seus gostos pessoais, perdem as amizades, a vida inteira é abandonada em troca de uma união que é quase parasitária. Eu me prendo a ti, você me alimenta, me sustenta, me dá tudo que eu preciso para viver, eu me torno sua extensão e te dou tudo que você precisa para continuar vivendo sua vida. Assim são alguns relacionamentos abusivos, assim é quando ambos não percebem a gravidade da situação que é abrir mão de si mesmo para viver exclusivamente para alguém, como se não houvesse outro propósito de vida. Abandonar tudo, ter áreas da vida completamente desfuncionais porque o outro vai te suprir.


Quantas relações atualmente sobrevivem assim? Muitas! A pessoa abre mão de sua identidade para ser apenas extensão do outro ser e só não sai dessa vida parasitária porque tem medo de viver o novo, já não se conhece mais a si mesmo, já não sabe o que seria se estivesse só, o que resta é abandonar as próprias nadadeiras e deixar que o digam onde ir.



Não ser como um tamboril é um ato de coragem, que exige da pessoa autoconhecimento suficiente para compreender que relações humanas não devem ser parasitárias, cada um oferece o que tem, e se não tem nada para oferecer, você só deve permanecer se gostar e se houver entendimento suficiente para se compreende que ambos estão livres para ser quem são. O casamento é uma espécie de fusão, duas pessoas que se tornam uma só carne, com objetivos, sonhos, caminhos que são realizados em parceria, ninguém se anula, ninguém se desfaz, ambos se completam. Em relações onde um dos dois é um tamboril, a carroça tomba, ninguém segue em frente porque não são dois em busca das realizações, é um só, porque o outro se realizou no exato momento que descobriu alguém que comporte a sua ausência de sentido, é o chamado jugo desigual, citado na bíblia.


Quem você é quando está só? Um tamboril em busca de sentido na vida? Está apenas cumprindo seu papel de manutenção da espécie? Espero que não! A vida é muito mais que buscar um lugar comum que seja confortável. Primeiramente, como diz o filósofo, "Conheça-te a ti mesmo". Pensem bem que tipo de relação vocês querem viver, uma relação na escuridão profunda do mar, onde eu tenho medo de ficar só, ou uma relação na luz, onde eu sei quem eu sou e desejo alguém que me dê a mão sem abrir mão da individualidade e principalmente da identidade para continuarmos a caminhada.


Na dúvida segue a luz!


Pedro Garrido

terça-feira, 3 de agosto de 2021

Dois vídeos e um soco no estômago

Tomei dois socos no estômago só por ter assistido vídeos. Claro, não foi soco literal, mas é como se fosse. Primeiro ao assistir o vídeo "Psiquiatra" do Whindersson Nunes, depois ao assistir o clipe da última música da Luísa Sonsa "Penhasco". Eu não sei vocês, mas o que eu vejo nesses dois vídeos é a dor real, imanipulável, indescritível. Eu me vejo na dor dos dois, não sei explicar, eu não vivi o que eles viveram juntos, nem vivi de forma separada o que eles colocaram em forma de arte, mas me tocou como se eu tivesse sentido.


Já pensaram sobre o poder da arte na nossa vida? Nos gritos de socorro que um pintor coloca na sua tela? Nós gritos escritos do poeta? No humor que usa da própria tragédia para nos trazer reflexões sobre quem somos? Pois é, o pior é que vivemos numa sociedade que julga o livro pela capa e nem o lê, julga uma gota de tinta sem imaginar quem deu os traços ao resto da pintura, julga uma cantora por uma atitude que é humana.


Ver estes dois vídeos é como se fosse um soco no estômago, mais que isso, um soco na alma. Nos tornamos uma geração de seres superficiais que não pensam no que há por trás das telas, querem tudo rapidamente e levam tudo que trouxeram com a mesma velocidade, geração de tiranos que ao menor sinal de discordância "cancelam" seus desafetos, fazem comentários no estilo "quinta série" nos perfis de artistas que tem grandes trabalhos realizados, e no dia seguinte, nem lembram o que fizeram.


A palavra que falta é empatia. Investimos no ego e esquecemos de ser empáticos. Eu me vi em cada vídeo como se fosse eu, mas e se fosse? Se fosse... Fui eu! Fui eu que senti várias dores que muitos outros não sentiram, fui eu que me estremeci diante do desconhecido, diante da perda, diante da dor, dor minha e de muitos que eu conhecia. Eu também tenho bagagem, assim como você, e pense, não doeu também? 


Esses dois vídeos nos trazem lições. Cada luto tem seu tempo, cada dor precisa ser sentida, cada sentimento não pode ser escondido, precisa ser vivido. Não tenha vergonha de sentir, não tente adiar ou adiantar o processo. Somos todos humanos, com seguidores ou não e mesmo tendo seguidores, eles não podem sentir por você o que só você sente. Só você é você mesmo, mais ninguém.


Pedro Garrido