A nossa vida é permeada por datas que simbolizam a renovação, ano novo, natal, aniversário, as estações se renovam, entre outras coisas, como se todos os dias estivéssemos morrendo e renascendo, trilhando uma nova maneira de enxergar o mundo, uma nova identidade, um novo apelo a viver a novidade e deixar o velho para trás.
Com a renovação tanto de nós fica para trás que se nós compararmos com o nosso eu do ano passado, muitos dos nossos desejos e sonhos mais infantis acabam se perdendo no caminho, é como se fossemos uma cebola e ano após anos fossemos perdendo uma camada dessa cebola, ao mesmo tempo que vamos ganhando camadas como as grandes árvores que a cada ano ganham uma camada a mais em seus troncos, facilitando a contagem de sua idade no processo final de sua vida.
A vida é uma constante troca, vamos perdendo camadas, partes de nós no caminho, e vamos ganhando marcas que simbolizam a maturidade do ser que somos, o que nos mostra como chegamos onde chegamos. As marcas que definem a idade da árvore são as mesmas que mostram o quanto o tronco é grosso e quantas intempéries ele foi capaz de vencer e resistir até chegar naquela idade.
Não quero fazer uma comparação entre ser uma cebola ou uma grande árvore nem estou oferecendo um lado vencedor, só mostrando que tudo no processo de renovação envolve a perda ou o ganho de uma camada, hipotética ou não. A perda de algumas dessas camadas pode nos causar algumas lágrimas como ao cortar a cebola, mas cortar a cebola é só parte de um processo que leva ao preto principal, muitas vezes não estamos percebendo onde estamos querendo ir porque estamos presos pensando ao corte da cebola, o corte somente pelo corte, a lágrima somente pela lágrima, quando tem todo o processo de vida, tem toda uma cosmovisão ao redor.
Filosofia, poesia, religião, ciência, quase tudo no mundo vai tentar propor algo sobre a renovação. Uma poesia que case com outra e mais outra, conceitos de infinitude dentro da própria finitude do ser, vida eterna, deuses, teoria do Big Bang. Tudo no mundo está em busca de um caminho de renovação, onde o que pareça ter acabado tem sua oportunidade de recomeçar. Algumas pessoas preferem acreditar que depois do fim só tem o fim e nada mais, pra mim isso é moribundo demais de se imaginar.
Desde o início da civilização acreditamos em processos de renovação e fazemos deles marcos que nos prendem ao oceano imortal das incertezas, talvez isso que nos dê a sensação de que estamos presos a algum lugar no chão, como uma árvore plantada na beira de um riacho, porque se não fosse essa certeza. O que seria de nós, vagando pelo espaço, sem um rumo conhecido, dentro de uma "bolinha de gude", procurando nosso próprio sentido?
Talvez seja mais fácil e melhor acreditar que haja mesmo uma renovação diária em nossas camadas e que perdas e ganhos são partes dessas camadas que ganhamos. Se somos feitos para sonhar e acreditar em recomeços: Por que não recomeçar agora?
Um brinde aos ciclos que se encerram aos que começam, a tudo que nos cerca, as camadas que ganhamos e perdemos com o tempo, a todos os eus que surgiram antes de mim e me proporcionaram ser o eu de hoje, e que talvez já não seja amanhã esse mesmo eu. Não tem como conter o fluir do tempo que nutre a raiz da árvore da vida, o que temos é que viver e aprender com as marcas que nos são dadas.
A renovação é o nosso próprio abrigo, nossa maneira de nos mostrarmos vivos diante e dentro do nosso próprio eu cósmico em constante morte e (re)nascimento. Em constante transformação, sólido, líquido, gasoso. 4 elementos gerados e moldados por uma quintessência. Um fio que sempre ilumina o pavio, sem se apagar ainda que não se veja sua luz.
Pedro Garrido