quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Olhar

Olhar

Sempre tive a sensação de descobrir no olhar o sentimento de alguém, tudo de alguma maneira está no olhar, mas não estou "metáforando" ninguém. Apenas tenho a sensação de conhecer a alma quando vejo o olhar mais distante ou mais brilhante. É como se eu olhasse para os confins do universo e fosse capaz de ver a alma de Deus, o espírito que paira sobre as águas.

Quanto mais distante vou, mais me aproximo de mim, mais me aproximo da eternidade, mais eu vejo que o óbvio não é tão óbvio assim para todo mundo. Sim, às vezes eu me engano, viajo além das fronteiras e me equivoco, mas de tanto fazer de meu próprio mundo uma armadura de autodefesa, quando enxergo que outras pessoas também a usam então sei com exatidão quem elas são, como elas estão e como podem mudar.

Muitas vezes eu já vi olhares extremamente apaixonados, outras eu vi que alguns olhares não olhavam de fato, algumas pessoas eram cegas mesmo que enxergassem o mundo, outras com certa miopia enxergavam bem o mundo ao seu redor. Alguns olhares ardiam, outros doíam demais, alguns olhares vieram acompanhados de mudança de postura corporal e isso é fantástico, saber que um olhar muda completamente a postura de alguém. Se soubermos ler um olhar, todo o restante terá sido lido.

Quantas vezes o meu próprio olhar transmitia dor, inferioridade, incapacidade e eu nem percebi. Tudo muda de acordo com as nossas próprias atitudes, quem enxerga a alma é capaz de transformá-la, seja dominando, seja libertando, e o meu desejo é libertar almas, mesmo que em alguns momentos a minha própria alma pareça incapaz de se libertar de alguns fantasmas.

É ai que a poesia me liberta, ela me dá um novo olhar, uma nova alma, uma nova forma de vencer meu mundo, sem impunhar uma arma, mas trazendo para fora todo o sentimento que ficava apenas preso no olhar quando eu não sabia bem o que escrever. Ou seja, escrever liberta minha alma, cura minhas feridas e me dá uma nova postura. Podem tirar tudo de mim, mas não me tirem a possibilidade de me rasgar em palavras e logo em seguida me costurar sem deixar marcas.

Tem olhares que até hoje eu não quero lembrar, olhares que eu lembro e soaram como julgamento, olhares de desprezo, olhares de rostos que se viraram contra mim, por isso, deixei de olhar nos olhos algumas vezes, por isso abaixei a cabeça e mudei meu caminho, mas não será mais assim, vou enfrentar de cabeça erguida todos os desafios, todos os olhares do mundo e o meu próprio olhar que teima em brigar comigo, dizendo que toda mudança é passageira. Eu me olhei agora e vi, vi alguém pronto para voar, voarei e quando aterrissar novamente saberei que valeu a pena olhar para o alto, mudar minha postura e recomeçar.

Um olhar fala mais que mil palavras, mas mesmo assim palavras se fazem necessárias e enquanto eu puder gritar as palavras, farei delas parte do meu propósito e hei de ver novamente aquilo que até hoje só ousei sonhar.

Pedro Garrido